Sim. Nunca deixou de ser. Foi criada em 1959 pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD), atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF), para que o Brasil tivesse um campeão nacional que o representasse na recém-criada Taça Libertadores da América, cuja primeira edição foi disputada em 1960.
Ao criar a Taça Brasil, o presidente da CBD, João Havelange, atendeu o pedido da Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol), à época presidida pelo brasileiro José Ramos de Freitas.
Detalhes: O historiador e escritor Loris Baena Cunha, autor de livros como “A verdadeira história do futebol brasileiro” e “O Brasil nas Copas do Mundo” escreveu um artigo em que confirma a oficialidade da Taça Brasil. Diz ele: “Como historiador e pesquisador do nosso futebol, passei várias semanas na biblioteca da CBF, assessorado por seu responsável, Milton Pereira, onde busquei dados importantes para concluir uma das obras que escrevi sobre o centenário oficial do futebol no Brasil (1902 a 2002) e em algumas súmulas dos jogos da Taça Brasil encontrei impresso: “Campeonato Brasileiro de Futebol – Taça Brasil”. Portanto, o campeonato brasileiro teve início em 1959, sendo o Esporte Clube Bahia o primeiro campeão, ao derrotar o poderoso Santos, no Maracanã, por 3 a 1”.
Por quanto tempo a Taça Brasil foi jogada?
Por dez anos consecutivos, de 1959 a 1968. De 1959 a 1966 foi a única competição nacional do País e em 1967 e 1968 dividiu essa responsabilidade com o Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Até 1966, ou seja, por sete anos consecutivos, o único representante brasileiro na Taça Libertadores da América foi o campeão da Taça Brasil. A partir de 1967 o direito foi estendido também aos vice-campeões nacionais.
Em outros países onde o futebol é tão ou mais organizado do que no Brasil, quando se criou o campeonato nacional de pontos corridos as competições anteriores foram ignoradas?
Ao contrário. Nos países europeus – Espanha, Itália, Alemanha, Inglaterra... –onde o futebol é mais rico e organizado do que no Brasil, as competições nacionais antes do campeonato em pontos corridos têm o mesmo valor histórico.
Detalhes: Na Espanha, o Campeonato Nacional surgiu em 1929, mas desde 1902 era disputada a Copa da Espanha, em jogos eliminatórios, como a nossa Taça Brasil. Pois todos os vencedores da Copa da Espanha também estão na galeria dos campeões espanhóis. É uma questão de respeito ao passado, às tradições do futebol no país. Exemplo que o Brasil precisa seguir.
O fato de ter sido criada pela CBD, entidade que depois mudou seu nome para CBF, não prejudica o reconhecimento da Taça Brasil?
De forma alguma. Mesmo que fossem entidades diferentes, isso não implicaria a invalidação das competições anteriores. Partes de um evento oficial, os jogos foram realizados com árbitro, público, imprensa, jogadores, técnicos... Trata-se de fatos concretos, históricos, documentados, testemunhados por milhares de pessoas ao vivo e outros milhões pela mídia. Isso já faz com que sobrevivam a quaisquer mudanças burocráticas. Mas há outro agravante: a CBF é a mesma CBD e assume isso. No site oficial da CBF a data de sua fundação é a mesma da CBD: 20 de agosto de 1919. A única diferença entre as duas siglas é que a partir de 1980 a CBF passou a cuidar apenas dos interesses do futebol brasileiro.
Detalhes: Tanto a Taça Brasil, quanto o Torneio Roberto Gomes Pedrosa e o Campeonato Nacional foram organizados na gestão de um único presidente, o sr. João Havelange, que dirigiu a CBD de 1958 a 1975. As competições mudaram de nome e formato, mas continuaram sob a mesma administração e com o mesmo objetivo de selecionar campeões (e vices) do Brasil para disputar a Taça Libertadores da América.
O público sabia que a Taça Brasil dava ao seu vencedor o título de campeão brasileiro, ou esse fato era ignorado?
Esse fato era de conhecimento geral. Milhões de brasileiros sabiam da relação da Taça Brasil com o título de campeão brasileiro, pois os maiores e mais conceituados veículos de comunicação do País noticiavam exaustivamente essa informação, como os jornais O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, A Gazeta Esportiva, Jornal dos Sports, O Globo, Jornal do Brasil, Estado de Minas; as revistas O Cruzeiro, Manchete e Fatos & Fotos; rádios, tevês e as produções cinematográficas do Canal 100.
Detalhes: Vejamos como alguns jornais noticiaram a vitória do Cruzeiro sobre o Santos na final da Taça Brasil de 1966:
Abertura de matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 8 de dezembro de 1966: Com uma brilhante reação, que transformou uma derrota de 0 a 2 em vitória por 3 a 2, o Cruzeiro, de Belo Horizonte, derrotou novamente o Santos em partida realizada ontem à noite no Pacaembu. Com esta segunda vitória, o campeão mineiro ganhou o título de campeão brasileiro de clubes e a posse da Taça Brasil.
Capa do Jornal da Tarde, edição de 8 de dezembro de 1966: O Cruzeiro é o novo campeão do Brasil. Tostão, de Taça Brasil na cabeça, ficou no lugar do Rei Pelé, ontem à noite, no Pacaembu.
Capa do Jornal dos Sports, do Rio de Janeiro, edição de 8 de dezembro de 1966: Cruzeiro é o Campeão. O Cruzeiro é o novo campeão do Brasil, campeão épico e digno, capaz de feito como o de ontem, depois de estar perdendo por 2 a 0 para o Santos, no primeiro tempo, reagiu para vencer por 3 a 2.
O Estado de Minas, Belo Horizonte, edição de 8 de dezembro de 1966: Cruzeiro Campeão. Depois de estar perdendo por 2 a 0 no primeiro tempo, o Cruzeiro sofreu um forte assédio do adversário nos dez minutos iniciais do segundo tempo, mas reagiu para acabar vencendo por 3 a 2, sagrando-se campeão brasileiro, outro título inédito para o futebol mineiro.
Por ter sido jogada no sistema eliminatório, ou “mata-mata”, a Taça Brasil é uma competição que deve ser considerada menos importante do que o Campeonato Nacional inaugurado em 1971?
De forma alguma. Em primeiro lugar, as competições mais importantes do futebol são jogadas no sistema eliminatório, a saber: Copa do Mundo, Eurocopa, Copa América, Mundial de Clubes da Fifa, Liga dos Campeões da Europa, Taça Libertadores da América... E depois, o sistema eliminatório era a única forma possível naquela época, pois a CBD não tinha recursos para uma competição mais longa, que envolvesse mais viagens dos clubes e mais despesas com hospedagens.
Detalhes: A área do Brasil equivale à da Europa, que já possuía dezenas de nações no final dos anos 1950. O transporte por avião era caro e a Confederação Brasileira de Desportos não tinha recursos. Ou seja, ou a CBD instituía uma competição no sistema eliminatório, como fez, ou o País não teria como definir um campeão para a Taça Libertadores da América. Assim, dentro das possibilidades daqueles tempos, a Taça Brasil revelou-se uma competição eficaz, racional e que cumpriu bem o seu papel de definir os primeiros campeões brasileiros.
Era uma competição restrita a poucos clubes?
Não, ao contrário. Na verdade, foi a competição nacional mais democrática e abrangente já realizada no País. Dela participavam os campeões de cada Estado da Federação. Assim, todos os inscritos nas competições estaduais podiam chegar à Taça Brasil e disputar o título brasileiro (o que não ocorre hoje, pois apenas os clubes da Série A lutam pelo título nacional).
Era uma competição limitada a poucos Estados do País?
Ao contrário. Em uma época em que o País tinha 22 Estados e um Distrito Federal, a Taça Brasil, nas suas dez edições, teve no mínimo 16 participantes (apenas em 1959) e no máximo 22 (1964, 65 e 66), com uma média de 20,3 times por competição. Hoje, com 26 Estados e um Distrito Federal, apenas 1/3, ou nove Estados, participam da Série A do Brasileiro.
Detalhes: Em 1959 os 16 times e Estados participantes foram: CSA (Alagoas), Bahia (Bahia), Ceará (Ceará), Rio Branco (Espírito Santo), Vasco (Guanabara – Estado que oficialmente existiu de 1960 a 1975 e ocupava a área do atual município do Rio de Janeiro), Ferroviário (Maranhão), Atlético (Minas Gerais), Tuna Luso (Pará), Auto Esporte (Paraíba), Atlético (Paraná), Sport (Pernambuco), Manufatura (Rio de Janeiro), ABC (Rio Grande do Norte), Grêmio (Rio Grande do Sul), Hercílio Luz (Santa Catarina) e Santos (São Paulo).
Em 1960 foi incluído o campeão de Sergipe; em 1962 o de Piauí; em 1963 o de Brasília (Distrito Federal) e em 1964 o de Amazonas. Só o Estado de Mato Grosso, por falta de estrutura de sua federação, não teve representantes na Taça Brasil.
A Taça Brasil era uma competição séria, ou mudava de regras e participantes a cada edição?
A Taça Brasil jamais mudou suas regras durante os dez anos em que foi disputada. Não havia clubes convidados. Valia o mérito técnico. Só mesmo os campeões estaduais podiam participar.
O fato de os times de Rio e São Paulo entrarem em algumas edições apenas nas semifinais não diminuem a importância da competição?
Em absoluto. Tanto, que 40 anos depois a Fifa continua usando o mesmo critério no seu inquestionável Campeonato Mundial de Clubes, no qual times das Américas e da Europa começam a disputa nas semifinais (e fazem apenas dois jogos para chegar ao título, enquanto a Taça Brasil exigia o mínimo de quatro, pois os confrontos eram realizados em melhor de três jogos).
A Taça Brasil, que equivalia ao Campeonato Brasileiro de Clubes, seguiu o mesmo critério que utilizava no Campeonato Brasileiro de Seleções, no qual as seleções paulista e carioca, reconhecidamente superiores, entravam nas semifinais.
Detalhes: Handicap técnico, utilizado pela Fifa no Mundial de Clubes, é um critério válido na formação de chaves de competições esportivas. No caso, é sabido que América e Europa dominam o futebol no planeta, tanto que jamais uma seleção ou um clube que não fosse desses continentes ganhou uma competição mundial profissional. O mesmo acontecia no Brasil no final dos anos 1950. Até ali, a única competição nacional era o Campeonato Brasileiro de Seleções, que, como o nome diz, era disputado entre seleções estaduais. Jogada pela primeira vez em 1923 e mantida, com algumas interrupções, até 1956, a competição tinha sido realizada 24 vezes até 1959, data do início da Taça Brasil, e até ali apresentava o saldo de 13 vitórias cariocas, 10 paulistas e uma da Bahia, em 1934. Portanto, era flagrante a hegemonia de cariocas e paulistas.
Além disso, os times mais tradicionais e considerados melhores eram os de Rio e São Paulo; as Seleções Brasileiras só convocavam jogadores em atividade nessas duas cidades e até 1959 o único torneio interestadual disputado regularmente – e com grande repercussão – era o Rio-São Paulo, realizado anualmente desde 1950. Assim, nada mais natural que o critério do handicap favorável a cariocas e paulistas fosse utilizado para reduzir os custos da Taça Brasil, sem influir no seu mérito técnico.
Entretanto, isso não tirava de outros Estados a possibilidade de fazer o campeão da Taça Brasil. Tanto, que o Esporte Clube Bahia foi o primeiro, em 1959, além de ter chegado a outras duas finais.
Um time carioca ou paulista podia ser campeão da Taça Brasil fazendo apenas quatro partidas. Isso não diminui o mérito da competição?
De forma alguma. A qualidade dos jogos, e não a quantidade, é que define o status de uma competição. As primeiras quatro Copas do Mundo, por exemplo, de 1930/34/38/50, foram ganhas com apenas quatro partidas.
Detalhes: Para se conseguir o título mais almejado do planeta, um participante do Mundial de Clubes da Fifa terá de fazer, no máximo, três partidas. Na verdade, isso nunca aconteceu, pois as equipes sul-americanas ou européias sempre vencem, o que reduz o número de jogos para apenas dois. E isso já foi ainda mais rápido, pois por 24 anos, de 1980 a 2004, o título foi decidido em apenas uma partida, jogada em campo neutro, no Japão. Isso nunca tirou a importância do evento. Ao contrário. Os times que o venceram costumam destacar a conquista como a mais importante de seu currículo.
A Taça Brasil foi disputada em uma fase inexpressiva do futebol brasileiro?
Ao contrário. De 1958 a 1970 o Brasil viveu seu período áureo no futebol, conquistando, de maneira inapelável, três das quatro Copas do Mundo realizadas. E um detalhe importantíssimo é que todos os jogadores da Seleção, titulares e reservas, estavam em atividade em clubes do País. Ou seja, nunca o Brasil teve times tão fortes e tantos craques e ídolos como no período em que a Taça Brasil foi disputada.
Os times que ganharam a Taça Brasil representaram tão pouco para a história do futebol que devem ser esquecidos?
Os títulos da Taça Brasil foram decididos entre times de tradição no futebol brasileiro, ou a forma de disputa provocava finais surpreendentes, como temos visto na Copa Brasil?
As melhores equipes nacionais, que estavam também entre as melhores do mundo, jogaram pelo título da Taça Brasil. A final de 1962 é lendária: Santos e Botafogo reuniram em campo oito titulares e três reservas da Seleção brasileira que dez meses antes tinha sido bicampeã mundial na Copa do Chile. Nunca mais se viu – e dificilmente se verá – uma decisão de título brasileiro com jogadores do nível de Pelé, Garrincha, Nilton Santos, Zito, Amarildo, Coutinho, Pepe, Zagallo, Gylmar, Mengálvio e Mauro, como na noite de 2 de abril de 1963, no Maracanã (além destes bicampeões mundiais, participaram do confronto os craques Quarentinha, Manga, Rildo, Lima, Dorval e Calvet).
É correto comparar a Taça Brasil com a atual Copa do Brasil?
A Copa Brasil, criada por sugestão do então deputado Eurico Miranda para dar oportunidade a clubes que normalmente não participam do campeonato brasileiro, define uma das cinco vagas do Brasil na Libertadores, mas está longe de ser a competição nacional mais importante. Tanto é assim, que os clubes de maior tradição a disputam sem boa parte de seus titulares, e nos últimos anos foi vencida por equipes que nem ao menos estão na Série A do Brasileiro, como Paulista de Jundiaí e Santo André.
Os campeões da Taça Brasil conseguiram representar bem o Brasil na Taça Libertadores da América?
Sem dúvida. Nas oito edições da Taça Libertadores da América das quais participaram times brasileiros saídos da Taça Brasil (em 1966 e 1969 o Brasil não participou da Libertadores), estes conseguiram dois títulos e dois vice-campeonatos, com 50% de participação em finais da competição sul-americana, índice que só seria superado nos anos 90.
Detalhes: Nos anos de Taça Brasil, o Santos sagrou-se bicampeão da Libertadores em 1962/63 e o Palmeiras foi vice-campeão em 1961 e 68. Nos anos 70, quando surgiu o Campeonato Brasileiro, os clubes brasileiros conseguiram só um título (Cruzeiro, em 1976, e dois vices (São Paulo, em 1974, e Cruzeiro, em 1977). E nos anos 80, em dez competições, Flamengo(1981) e Grêmio (1983) foram campeões mas só o Grêmio foi vice, em 1984.
O fato de se chamar “Taça” e não “Campeonato”, não faz da Taça Brasil uma competição menor?
Não há o menor cabimento nessa afirmação. Taça, ou Cup (do Inglês) se refere à forma do troféu. Se é em formato de xícara, ou taça, pode ser chamado de taça. Qualquer competição pode ter a denominação que seus organizadores acharem mais adequada e razoável. Exemplo: o Campeonato Nacional de 1971 era idêntico à Taça de Prata disputada no ano anterior, na prática, houve apenas uma mudança de nome. O próprio Campeonato Nacional mudou de nome para Copa Brasil, Taça de Ouro e Copa União antes de se chamar Campeonato Brasileiro, a partir de 1989.
É verdade que a Taça Brasil não foi tão bem organizada quanto o Campeonato Nacional, criado a partir de 1971?
Não, absolutamente. Enquanto a Taça Brasil tinha regras claras e imutáveis, o Campeonato Nacional mudou seu regulamento a cada temporada durante 22 anos seguidos, de 1971 a 2002. A cada temporada os clubes eram surpreendidos pelas fórmulas inusitadas do campeonato, que além de tudo não respeitavam o calendário e sacrificavam as grandes agremiações em detrimento das menores.
Detalhes: Para satisfazer os interesses políticos do governo militar, mais interessado em utilizar o esporte como meio de integração nacional, a competição também alterava radicalmente o seu número de participantes, que eram convidados ou desconvidados às dezenas, por interesse ou simpatia, pois não havia rebaixamento ou acesso. Também foram criadas regras contrárias às orientações da Fifa, como a classificação por rendas, decisões por pênaltis em jogos terminados empatados e três pontos por vitórias por dois gols de diferença (em uma época em que as vitórias só podiam dar dois pontos).
O que o anúncio da unificação dos títulos brasileiros a partir de 1959 pode influir no futebol nacional?
Dará mais credibilidade à história do nosso futebol, aos clubes que dela fizeram e fazem parte e à própria Confederação Brasileira de Futebol, antiga CBD, que estará reconhecendo o período mais vitorioso do futebol brasileiro, quando o País conquistou três Copas do Mundo em quatro disputadas.
Significará uma demonstração de maturidade e respeito a craques e times inesquecíveis, que tanto contribuíram para o invejável currículo hoje ostentado pelo futebol do Brasil.
Será, enfim, uma atitude saudada com admiração pela comunidade futebolística e pelos formadores de opinião do País, pois está baseada em critérios justos e universais.
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